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A febre (e seus aliados)

 

 

“Sonhava com as cruzadas, viagens de descobertas de que não existem relatos, repúblicas sem histórias, guerras de religião esmagadas, revoluções de costumes, deslocamentos de raças e continentes: acreditava em todas as magias.”

Arthur Rimbaud, Uma temporada no inferno.

O primeiro dos espaços era pequeno e desconfortável. Rafael Prado empilhou a maioria de suas pinturas – não teria como ter feito diferente. Era mais um dia de sol e calor intenso no Rio. O ventilador girava ridiculamente, sem fazer vento algum. Mais patéticas eram as cenas pintadas pelo artista: numa das telas, um transeunte caminha por um espaço urbano qualquer onde flutuam cadeiras de praia, incômodas em termos compositivos. Lembram o barroco italiano e seus tetos, nos quais tudo voava num turbilhão de luzes e sombras, símbolos e manchas dissonantes, movimentos do sagrado e do profano. Nas obras de Prado, entretanto, o turbilhão é diminuto e, de certo modo, risível. Há marcas do Maneirismo, deformações que remetem às figuras caricatas de Portormo. Juntam-se trejeitos do realismo fake de Eric Fischl e da alegria pictórica dos anos 1980, mas, principalmente, elas encenam a patetice do homo politicus brasileiro. As figuras representadas por Prado parecem alienadas de sua capacidade ética, sem identidade: cidadãos tipicamente brasileiros? Não é à toa que uma das pinturas representa Brasília (cidade monumental, ápice glorioso e queda livre do modernismo e seus ideais democráticos). 

 

Alvaro Seixas

Fragmento do Texto para exposição Febre no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto

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